Wednesday, October 04, 2006

Fragmentos de viagem

- Estou com Carlos na cabeça (ou no coração).
- Algo aconteceu?
- Acenda um cigarro que tudo passa.

São oito horas da noite. Lembra-se da viagem com Carlos? Com o “senhor” Carlos? Madrugada adentro, sem parar pra nada. A mesma estrada, hoje com luzes do pedágio. Nossos sonhos estão privatizados. O sinal abre, a ‘barreira’ levanta e estamos, de novo, um pouco mais livres que há instantes atrás, um pouco menos livres do que viemos no começo. Vejo o meu carro na pista ao lado no sentido contrário. É noite, estou voltando pra casa de ônibus Transfada. Mais alguns minutos e estaremos em casa. Tem um carro parado no meio da curva. Estamos indo para Ponta Grossa. “Tchau! Vai com Deus! Boa viagem!” O velho já foi embora. Foram embora os de Piraí... Estou aqui. Vou descer no penúltimo ponto: Ponta Grossa. Depois vem Curitiba e eles já vão descansar como eu. Minhas espinhas e minhas pernas ameaçam doer. A caneta continua a correr nas dobras do papel. Depois passo tudo a limpo no computador. “Lembra de mim, Sonia? Eu poderia Ter te ligado hoje... Será que a culpa é minha? Me escreve, me diz alguma coisa. Diz que tudo é impressão ruim... Você ainda me ama. Diz pra mim. Eu vou bem e a Denise? Sou sua filha, vê se não esquece.” Estamos indo de volta pra casa. Vê que os carros se levantaram da estrada. Estão vivos e em suas velocidades nos levam abaixo do viaduto. Agora nosso ônibus também passa pelo viaduto e num indulto esses carros nos levam a qualquer lugar mais para a frente, um lugar mais diferente do que podemos imaginar. Em cada carro, tantos destinos... Nesse ônibus só penso no meu. Não sei se digo, mas tenho atração por casas noturnas, boates, moquiços, prostíbulos, luzes vermelhas. Passamos no meio das plaquinhas amarelas..Queria me escrever na sua vida...
Estamos saindo de mais uma cidade. Parecem, todas essas saídas, as saídas de uma mesma cidade... Espumando, efervescendo, diluindo. A cabeça ficou igual ao tal remédio. Eu olhava os caminhões da frente, concentrava-me no pára-choque e eis que um choque me invade o pensamento, o choque de brilhar o brilho das luzes da cidade ao longe. Lombada. Atingimos velocidade das bicicletas-borboletas. Pessoas sem pressa respirando o ar noturno, olham acostumadas pro ônibus. De novo na estrada. Uma curva fechada, o caminho do meio e as casinhas na estrada. PARE. Lembra quando eu quis morar numa casinha na beira da estrada? Nem que fosse só umas férias, ou só um feriado... Saudades dos meus elásticos. Faíscas dos seus sonhos. Faíscas de você. De onde nada se esperava saem faíscas. Estou virando uma pessoa otimista? Caminhões, só caminhões na estrada. Uma cidade lá longe está acesa. Enquanto aqui no ônibus apagam-se as luzes. Nada me prende. Serei impessoal, mas rogarei a mia senhor. Maria do Anel, a lua parece imóvel e acho que acho algumas estrelas pra você. Maria do Anel, cadê a Lua? Acho que acho algumas estrelas pro seu anel. Acho que acho algumas luzes pro seu troféu. A cidade brilha a te esperar. Não espere. Declare seu amor por Ponta Grossa. Quando você chega a certos pontos da estrada, tem-se a impressão de que não se está sozinho. Fragmentos de uma viagem. Eu me encaro, me descubro e me conheço.

No comments: