Thursday, July 06, 2006

A Volta ao Mar

Quando sentei na areia
Senti o cheiro do mar.
É a 1ª vez que venho aqui
depois de você.

Tanta coisa aconteceu.
Essa coisa a mais que é você.
Mas o mar continua lá.
E você continua aqui.

É assim mesmo.
Eu mergulho em mim.
E nas profundezas do mar,

Abrir os olhos e ver a vida,
a civilização que existe dentro.

Ainda está salgado e ardem meus olhos.
Mas sentei diante do mar
E chorei as gotas do mar que mora em mim.
É realmente difícil acreditar no fim
Quando se vê o mar.

1998

Cinderelas

Isto que chamam palavras
Isto que os fazem chamar
São elas,
Cinderelas,
as palavras que mancham
e desmancham no ar.

Brotam da alma do mundo
Do mundo que não tinha língua
Do mundo que não tinha gente
E o mundo continua o mundo
E a gente continua a gente.

Gente é ser complicado
Tem gente que fica quieto
quando fica irritado
Tem gente que fala tudo
e ainda sente que faltou falar...

LEVE

LEVE
ISSO DE RUIM DE MIM
E ME DEIXE AQUI
SEM MEDO.

LEVE
A MÁGOA COM ESSA ÁGUA
E ME DEIXE AQUI
COM TUDO.

LEVE
O LEVE DESESPERO
E ME DEIXE AQUI
COMIGO.

LEVE
ALGUÉM PRA ESSE ALGUÉM
E ME DEIXE AQUI
DORMINDO.

QUANDO EU ACORDAR,
ESPERO TER ESQUECIDO.

ANTROPOMORFOSE

Você ouviu o que disseram os deuses/ Você ouviu o que disseram os homens.../ Não era acaso do destino,/ era encontro de pensamentos.../Não era balada de amor,/ era a toada desgraça./Aquela que toca os nervos./ Aquela que toca na pele./ Um misto de interesses./Uma razão que não tem dono./ Era só pra despertar teu sono./Era só pra arrepiar teu corpo./ Era desejo desmedido/ de querer o impossível./ Era mentira bonita /inventada a contento./ Era história amiúde/ de histórias de muito tempo./ Era a face Bela,/ própria face da Beleza./ Era o fechar de olhos. /Tateando a incerteza./ Era um mistério fecundo,/ ausência que transbordava./ Amalgamar de caminhos/ num lugar inexistente./ Era união dos defeitos/ de pessoas insistentes./ Era agora sua vez. /Era hora de aprender. /Pudera ter sido a sorte /azarada de encontrar.../ Os erros das próprias palavras,/ do silêncio e da lascívia./Um punhal afiado,/ sangue solto flutuando./ Também vieram as lágrimas/ - já se foram ainda bem.../ o desejo só consome. /Ele vem sacia e some./ O desejo era volúpia,/ um arder entorpecente./O desejo era produto/ de produção consciente./ Difícil sentir desejo /e dizer que nada sente.

04/mai/2001 22h35min

Meus poemas de amor

Amores são muito mais demoníacos,
muito mais amorais,
muito mais depressivos
do que ficar dialogando com o mundo,
xingando quem não se conhece

Amores sacodem sua vida
Te enterram no chão
Amores assombram suas noites
Chutam seu rosto contra o espelho
para que ele destrua as imagens de sua face
e dela vertam sangue e lágrimas
produzindo um caldo salgado
que você bebe com dor e gozo
Enquanto sua carne se corta

O amor que eu conheço
não pinta coraçõezinhos no caderno
Nem pede em casamento
O amor que conheço é um vírus
que produz em você sensações viscerais

o amor também te faz cagar
o amor também te faz escarrar
o amor também te faz ir se danar

o amor não tem nada de pueril
o amor é um bicho ensandecido de fome e cio

Já que você não o conhece..
Vá viver à toa por aí
pois não há perigo algum de meus poemas
alcançarem e atacarem
você, o ser sem sentimento.

o que vejo

Me vejo linda no espelho, de óculos de quem está estudando, lendo, tendo idéias, trabalhando, sendo útil à sociedade, fazendo o que sabe fazer, no maior charme, no maior estilo. Vejo meus olhos um pouco ressentidos de toda a dor que eu lhes causei. Vejo os cabelos um pouco dourados, um pouco presos, um pouco rebelados. Vejo a limpeza do banho recém tomado, depois de todas as águas, menos a tua água. Como se eu descansasse, chorei, chorei mesmo, e daí? Vejo a seriedade e a profundidade dos pedidos que faço a mim mesma quando me olho no espelho Um pouco de orgulho por Ter escrito sobre as palavras, algo que eu não lembrava mas teve cor. Eu preciso me expressar nem que não entendo preciso contar nem que seja pra mim preciso exercitar nem que seja pra voar... que futuro? Sim minhas mãos compridas, finas e femininas, combinam com meu rosto e minha fisionomia. Mesmo que não esteja sozinha, posso cavar minha privacidade, coisas que me digo, finalmente depois de muito viver, viver, viver sem pensar. Mesmo errado, mesmo caminho cruzado, sei que é caminho pisado, não fico esperando a vida passar. Senão ela vai sem mim. E eu fico. Não posso ficar, não sou de ficar. Não sou de ficar por muito tempo.

Não sou filha de ninguém

Não sou filha de ninguém
Não tenho pai, nem mãe,
nenhum vínculo
Sou uma sombra,
Um reflexo no espelho
Uma lembrança de alguém que não existe mais.
Quando as coisas acabam pra onde elas vão?
O nada é um buraco negro pra onde tudo está sendo sugado.
Existe um buraco negro no meu coração
Sugo as coisas até acabarem
Bebo a seiva até a última gota
Aí elas se alojam no meu peito
e eu continuo não existindo
Não sei quando foi que morri
Não sei quando foi que esqueci de viver
Esqueci o silêncio eterno que ficou
Depois que não conversei mais c/ Deus
Não existe espelho
Não existe imagem
Não existe nada
Só existe o nada
pra onde estamos sendo jogados de um lado
pro outro nessa viagem desconfortável.

Estou no céu porque mergulhei na minha fantasia.
Estou por entre nuvens porque quero estar.
Nuvens azuis, cor-de-rosa
Não tenho sentimento
Sou nuvem
Tudo passa por mim
o vento, o sol, a chuva
Estou sozinha
Não tenho com quem brincar.
A peça acabou
O pano baixou
E eu não desempenho meu papel.
Aplausos congelados.

Não sei como as pessoas conseguem continuar existindo
como robôs como coisa qualquer
Não vou molhar de mar
Não vou cheirar o sal
Nem vou olhar o céu
Nem sol, nem calor
Nem pássaros, nem voar
Não vou viver de ar
Não vou respirar
Acabou o ar
Não vou lembrar
Não vou esquecer
Não posso ficar
Não posso esconder
Os outros não existem
Inventei uma vida
Inventei um amor
Inventei uma pessoa
Inventei a mim mesma
Mas cansei de inventar
Cansei de pensar
Cansei de existir
Cansei de tentar entender
Cansei de pagar pra sorrir
Cansei de chorar pra sentir
Cansei de acabar
Cansei de procurar
Cansei de achar e perder
Cansei de tentar me encontrar
se não sei onde estou
se não sei quem eu sou
como saber pra onde vou?
Como acreditar?
Como acreditar que sou alguma coisa importante?
Como admitir os outros, eu, a vida?
Como gostar de sofrer
Gostar de chorar
Gostar do fracasso
Um canto escuro onde eu possa existir,
me queixar, gritar, xingar o mundo
E continuar só,
Existindo eu
Existindo a dor
E jogando todo o resto no lixo
Jogando pra fora o cor-de-rosa
Me entregando pro céu,
alcançando uma estrela infinita,
sendo eterna como um momento vão,
um momento ínfimo que se repete a todo momento
fazendo uma rota no espaço
fazendo um desenho no céu
um rabisco no papel.
Ser feliz com água e vento
Ser feliz chorando todo dia
Ser feliz arrancando um pedaço todo o dia
Ser feliz com o sentimento de saudade
Lembrança doce tormenta
Tenho nojo disso tudo
Mas também estou fugindo,
me escondendo de Deus,
me escondendo de você,
até que eu vire nada novamente
até que eu vire estátua permanente
até que eu vire um algo jogado,
entulhado ao lado de outros nadas
outros lixos, outros fins.

eu céu negro

Fecho os olhos e enxergo o espaço sideral.
Mas não existem estrelas brilhando aqui dentro.
Aqui tem algo morrendo.
Talvez seja o fogo queimando.
Talvez as feridas abrindo novamente.
Todas têm seu tempo de curar.
E eu escondo as cicatrizes pra não lembrar.

comigo mesma

não tenho muito medo

perdi a capacidade de me lamentar da vida
de amores mal vividos
perdi a capacidade de me acorrentar a decepções

minha história é importante pra mim
gosto de esclarecer as coisas dentro de mim
fora de mim não é problema meu
eu fecho a janela pra não me perder por aí
eu fecho as cortinas
e me sinto à vontade comigo
desde muito tempo

a cada dia coleciono mais adjetivos
para essa tarefa interminável: me descrever
adoro falar sobre mim
adoro me reconhecer em outros espelhos
que não reflitam essa imagem óbvia instaurada na retina
eu me amo e sou correspondida
e isso me faz feliz

Sentimento sintetizado

O amor é uma palavra banal
E se você pudesse tocar o sentimento
Saberia que o amor é uma palavra banal
Eu odeio as representações do amor
As novelas que engulo todos os dias com água e farinha
Os musicais da Broadway
Os Ballets do Bolchoi
Todo o lirismo que existe em mim
fruto dessa constante exposição
a essas representações fabricadas e banais
Desejos frívolos e suas conseqüências

E a vergonha que sinto dos meus sentimentos?
Quem vai pagar a conta do analista?
Quem vai preencher o buraco entulhado de nada
onde as coisas acabam
e se tornam esquecidas pelas sensações?

Esse mistério em que me escondo
E nunca me procuro lá

Desejo é não saber e entender tudo.

Manhã em claro

Amanheceu
E vc não está aqui.
Talvez esteja correndo atrás de satisfação.
Talvez queira se sentir importante ao suplicar algo
com a fisionomia mais despretensiosa do mundo.

Sou abençoada.
Quero me compartilhar.

Sou faminta pelo seu olhar de adorador.
Tenho admiradores.
Mas quero ser tocada bem fundo.
Talvez pra estragar de vez.
Mas não acredito que meus sentimento fênix
possa deixar de renascer.
Meu sentimento pelo mundo é soberano.

Talvez um dia eu caia,
tão fundo, forte e violento quanto o que eu senti.
Talvez tão torpe, ordinário e desnecessário
como o que ocultei.
Talvez tão simples e inevitável
como o que sou condenada a ser.

Não acredito muito em pré-destinação.
Acredito em energia móvel
e é por isso que temo o eterno e o efêmero.
E é por isso que rezo cometendo erros lindos.
E é por isso que tento alcançar o eterno
a partir do que é cotidiano,
e o que é e sublime
através do que é efêmero.

20 minutos

E você chegará como um príncipe indeciso
Meu príncipe imperfeito
Fazendo promessas falsas
Com o cheiro de torpor que carrega em si

Sou feita para a sedução
Sou feita para seduzir
Sou feita pra dormir e acordar desse sono
Desse sonho bonito que não existe

Sou produto de mim mesma
Quero você servindo minha mesa
Quero o raiar do sol na testa
Quero a oração da manhã
Maior e melhor do que eu

Eu posso até regurgitar
O que tanta bondade me trás
E assim peço um pouco do veneno
Ao contrário da picada da cobra
Peço o veneno para me fazer normal
Pois se a pureza,a beleza e a bondade me habitarem
Serei eternamente insuportável

Por isso quero sua humanidade
Sua austeridade
Sua gratitude
Porque te fiz sentir o melhor e o maior
Porque te amei durante 20 minutos

Audição

O que você sente com essa música?
Não me dá saudade
Me dá uma sensação que é minha
Te cheirar e dançar com você
por esse universo afora

É isso o que vai me fazer resistir
à brutalidade do dia a dia
É isso o que vai me fazer
não sucumbir à solidão

Eu quero você
Desejo você
Encontrei você
E fazer o quê?

Talvez eu só consiga falar sobre o meu desejo
Talvez eu só consiga ter compaixão e ódio
por aqueles que me desejam sem me conhecer,
sem me dominar

Por excesso de exemplo violento,
por excesso de exemplo passivo
Não sei qual me apetece
Não sei como te apelar
Não sei como te estuprar
Não sei como chorar pela sua violência
Não sei como reclamar a sua ausência
Não sei como te isentar dessas repetições
Não sei como me libertar de todo o aprendizado emocional
Não sei como te sentir sem saber o que sinto

Mas é o que desejo
Sem assumir socialmente, sem nada
Só sentir o que não entendo
e me satisfazer sem querer
Porque quero descansar em você
Só porque te amei como algo bonito
Só porque aspirei sua beleza
Só porque suspirei

voltar

você não vai voltar
não vai voltar a ser o que era
e eu
talvez eu volte a ser o que era
sem essa peça que falta

Wednesday, July 05, 2006

Sobre minha poesia

Talvez falando sobre mim
não seja essa coisa óbvia de "me entendam"

Eu me apóio no "eu lírico"
Eu sei - e como

Seu discurso é normativo
Você pretende alcançar uma verdade geral, universal

Meu discurso é em primeira pessoa
As verdades que digo são minhas
Fruto das minhas construções

Assim como as canções
Assim como as novelas
Assim como os filmes

Meus poemas são uma verdade delimitada e particular
E a publicação deles...
Talvez eu não queira ser tão admirada
Porque a mim basta o prazer de escrevê-los e lê-los
E mais: de vivê-los

Talvez não me interesse corrigir as possíveis leituras
que as pessoas fazem do que chamo de meu mundo
Eu quero que quem leia o faça de modo particular, intimo
na solidão de seu mundo
Eu quero que outros eus se identifiquem, se reconheçam, se descubram

Quanto à minha falácia sobre estética...
A estética de meus poemas é algo como canção
Não posso deixar de ter ritmo
Não posso deixar de cantar palavras,
nem de fazer jogos de palavras fazendo com que elas
- as meras palavras -
adquiram nova configuração
Elas que ecoem no mais fundo das impressões

Eu pego o que está pairando no ar
E roubo pra mim
E imprimo nos poemas essa minha experiência

Estamos nos escondendo demais por trás de supostas opiniões literárias