Thursday, July 06, 2006

Não sou filha de ninguém

Não sou filha de ninguém
Não tenho pai, nem mãe,
nenhum vínculo
Sou uma sombra,
Um reflexo no espelho
Uma lembrança de alguém que não existe mais.
Quando as coisas acabam pra onde elas vão?
O nada é um buraco negro pra onde tudo está sendo sugado.
Existe um buraco negro no meu coração
Sugo as coisas até acabarem
Bebo a seiva até a última gota
Aí elas se alojam no meu peito
e eu continuo não existindo
Não sei quando foi que morri
Não sei quando foi que esqueci de viver
Esqueci o silêncio eterno que ficou
Depois que não conversei mais c/ Deus
Não existe espelho
Não existe imagem
Não existe nada
Só existe o nada
pra onde estamos sendo jogados de um lado
pro outro nessa viagem desconfortável.

Estou no céu porque mergulhei na minha fantasia.
Estou por entre nuvens porque quero estar.
Nuvens azuis, cor-de-rosa
Não tenho sentimento
Sou nuvem
Tudo passa por mim
o vento, o sol, a chuva
Estou sozinha
Não tenho com quem brincar.
A peça acabou
O pano baixou
E eu não desempenho meu papel.
Aplausos congelados.

Não sei como as pessoas conseguem continuar existindo
como robôs como coisa qualquer
Não vou molhar de mar
Não vou cheirar o sal
Nem vou olhar o céu
Nem sol, nem calor
Nem pássaros, nem voar
Não vou viver de ar
Não vou respirar
Acabou o ar
Não vou lembrar
Não vou esquecer
Não posso ficar
Não posso esconder
Os outros não existem
Inventei uma vida
Inventei um amor
Inventei uma pessoa
Inventei a mim mesma
Mas cansei de inventar
Cansei de pensar
Cansei de existir
Cansei de tentar entender
Cansei de pagar pra sorrir
Cansei de chorar pra sentir
Cansei de acabar
Cansei de procurar
Cansei de achar e perder
Cansei de tentar me encontrar
se não sei onde estou
se não sei quem eu sou
como saber pra onde vou?
Como acreditar?
Como acreditar que sou alguma coisa importante?
Como admitir os outros, eu, a vida?
Como gostar de sofrer
Gostar de chorar
Gostar do fracasso
Um canto escuro onde eu possa existir,
me queixar, gritar, xingar o mundo
E continuar só,
Existindo eu
Existindo a dor
E jogando todo o resto no lixo
Jogando pra fora o cor-de-rosa
Me entregando pro céu,
alcançando uma estrela infinita,
sendo eterna como um momento vão,
um momento ínfimo que se repete a todo momento
fazendo uma rota no espaço
fazendo um desenho no céu
um rabisco no papel.
Ser feliz com água e vento
Ser feliz chorando todo dia
Ser feliz arrancando um pedaço todo o dia
Ser feliz com o sentimento de saudade
Lembrança doce tormenta
Tenho nojo disso tudo
Mas também estou fugindo,
me escondendo de Deus,
me escondendo de você,
até que eu vire nada novamente
até que eu vire estátua permanente
até que eu vire um algo jogado,
entulhado ao lado de outros nadas
outros lixos, outros fins.

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