Saturday, April 21, 2007

Simples

Ouvi a vida sussurrando
os passos na rua escura
ouvi a prece derramada
os pulsos nos passos na estrada
ouvi a voz muda dos pulos
impulsos passados e nulos.

O frio embeleza a minha solidão
E eu já não me sinto sozinha

O futuro parece cristalizado
como se o final feliz fosse inevitável
orquestras
aplausos

A noite veio calma
a vida veio rasa
e tudo que me arrasa
parece tão ínfimo agora

a noite veio calma
e não há nada que me tire essa paz
no horizonte as luzes não existem
as luzes estão lá mas não enxergo
só sinto a paz que proporcionam
só é a medicina alternativa
só é uma opção de vida

O tempo passando nas nuvens de algodão
O tempo vai parando nos cabelos brancos de meu avô
ele vai caminhando, lentamente vai me contando
como foi, como é...
e eu imagino como será daqui pra frente
agora não temos mais casa
estranhos moram na casa
clientes entram na casa
e no meu quarto de amores
onde eu já fui artista
nossa casa de terrores
hoje é sala de dentista

as músicas ainda são densas
mas não contam já de antes
a saudade que senti
sempre foi do que virá
a saudade que eu sinto
é a falta de mim

garota, menina, graciosa
ela anda por aqui
não queria ter que lembrar
da sua doce alegria
é difícil encarar seus olhos
daquela irritante esperança
ela nunca cessa de esperar
nunca se deixa enganar
pelos outros que desistem
pelos outros que insistem
em dizer que já não dá...
ela fica aqui dançando
com sorriso tão perdido
a garota está sozinha
criança chorando num canto
no fim do quarto minguante
na míngua da própria aflição
quem é que cuidou dela?

pra onde foram seus irmãos?
há algo que cuida dela
tem mais sorte que juízo
nunca sai no prejuízo
porque aprendeu a aproveitar
cada momento infortúnio
que também a faz chorar

a menina senta e chora
reza alto pra seu Deus
a menina esquece a Deusa
a Deusa que a embalou
engendrou-a nas artes do amor
a fez sentir abundância
fez sentir sua própria semente

a terra que a cobre
soterra seus amores
com a seiva da vida respira
pobre seiva da qual se alimenta

o verde das folhas lhe arde
entorpece-lhe o verde da erva
o verde dos olhos lacrimeja
a doce desilusão

a desilusão é bonita
depois que sente esse gosto
em vez de doce amargo fica
mais poema, conclusão

As tardes tardias
caem rápido
enegrecem algum dia produtivo
ela que não planta nada
prefere a noite
pra ficar parada
olhando as estrelas que ela não entende
mas as estrelas entendem a menina

Não estava escrito nas estrelas
as estrelas não escrevem
as estrelas são geniosas
não pedem permissão
as estrelas escolhem pessoas
um olhar, um coração
e aqueles que foram escolhidos
terão estrelas no olhar
terão estrelas nas veias
terão estrelas brilhando
em tudo o que por ventura fizerem

e ela que não faz nada
se lembra que é uma estrela
estrela não brilha sozinha
reflete a luz dos astros
e precisa do sol...

está frio
nada cresce
o sol, violento
me esquece
tudo o que o sol aqueceu
queimou por não saber amar

o que você conseguiu?
nada ainda, ela responde
e o que está procurando?
sigo o caminho do sol
mas só o vejo no poente
sem sol fico doente

as águas que escorrem das pedras
lavam as minhas feridas
o fogo que acende em meu peito
por vezes também arde em mim
assim não morro de frio
porque tenho um desvario
um desejo que corrói
mas me mantém aquecida
o fogo secreto me arde
corro pro sol, mas é tarde

corpo de sol mas é tudo
há sangue escorrendo na terra
a terra que agora é vermelha
há fogo ardendo na pele

deitada na terra vermelha
vermelho do fogo da pele
a boca da moça é vermelha
e o corpo é branco brilhante
o brilho da lua no corpo
o brilho da estrela no olhar
o corpo estremece de medo
faísca da estrela do brilho
o amor bem sabe é doído
prazer bem sabe é extremo
ela vai morrer de amor
ardendo e minguando
aquilo que é delicado
com a força vai morrendo pela terra
a semente germinando o grave sulco
a carne pulsa de prazer, de sentimento
o amor renasce se deságua em próprio ventre
o amor insulta, vem rápido e violento
o amor arde, fogo santo, purifica
toda a água de amor é sagrada
todo ato de amor é suicídio
recebe em si o próprio amor nascido
e morre ao fim do tempo a descansar

e agora há o que precisar
novas preces para o sol a aquecer
tudo é novo, tudo é pronto pra nascer
o branco vira verde vira azul
e o sol a fere um pouco no suor

“quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã”
Carlos Drummond de Andrade

Monday, April 16, 2007

Inconfessável

Recuso-me a fechar as janelas,
hoje que o céu se enfureceu comigo
e fez mil tempestades num só copo d'água
gotejando até mesmo dentro, em meu abrigo

tu que me lês
eu analfabeta de mim
recuso-me a olhar no espelho
pois sempre o que reflito é o que não vejo
sou cega pra mim mesma
apenas me despejo
recuso-me a me ouvir lá de fora de mim mesma

essa janela aberta nessa noite que esfria
paradoxos indecifráveis que me abafaram no verão
eu me tranquei e pensei "perdi a chave"
mas descobri o furto do hóspede indiscreto
fingia rastejar e ser anfíbio
mas tinha o sangue quente desde o início

vinhas sempre transmutado em outros
como um camaleão, de cor em cor
mas para mim - que sou incapaz de ler o externo -
era sempre o mesmo e sempre igual que eu encontrava
brincavas de jogos de espelho, mas eu intuía o óbvio
aquele teu veneno verde não poderia ser para mim

não eras o sapinho pela boca
um príncipe indeciso e arrependido
quantos segredos transmitidos pelas tuas águas
bebi uma a uma, mas o que eu queria era o teu sangue

o sangue que eu encontrei por acaso
borbulhando numa temperatura à minha equivalente

eu - que nunca quis te seduzir -
queria apenas me encarar no espelho, seduzida
como nas primeiras vezes em que eu realmente acreditei
pois não tinha aprendido a duvidar do meu termômetro
a tua febre louca que eu curei

ao invés de nos olharmos: reflexo e reflexão
resolvemos tomar da mesma taça a anestesia
e quem diria aquilo que querias
encontrar em outros objetos uma capenga paixão
e do mesmo chão em que deitamos
derramamos as mentirosas faces de uma confissão

kid abelha

caring and sharing
i smile when i close my eyes
to look at your face

i wish you saw me last night
i was walking slowly
feeling each tap of my feet on the ground
i begged for underground
my walking described a lost rythm
from the journey i took each day
due to my willing to see you everyday

when i crossed the crossing line i was lost
stumbling in the stars in disasterous way
waiting for a meeting
confused in my dreamming


in which i was skimming slightly on your sweet skin
feeding you with my honey,
wnating to be your queen bee
the eternal honey
- only furnishment that cannot perish -

abóbora selvagem

tudo é verticalmente triste
ao som de bandolins
ou violinos assassinos

não posso ouvir violas
tudo que é simples me violenta
antes ser sublime do que simples
antes ser incógnita do que escrever um manual de instruções

um sarcasmo
orgamos de conversa
não são janelas da alma abertas

eu pisei no lodo
e chicoteei o espaço
agredindo por não me deixar agredir

de comum acordo
acordo às 7h30 da manhã

mas não há a palavra 'doce'
apenas uma palavra 'não' que séria e culpada
se ensaia pra sair

e nessa valsa triste
indo e vindo deste mundo e outros

enfrentando o mundo
eu assombro e sofro
porque não é possível a todos me compreender

e sendo sempre mais do que se pode suportar
transbordando todos os copos
da incontida prisão da minha solitude

sucumbo novamente ao vício de fingir não estar só
afagando de leve algumas almas de janelas abertas

a única porta por onde entrei
se fecha em culpas e erros

eu que sempre me perdoei
não me delicio com seu sangue em minhas garras
seu sangue é doce e chora

e nunca corres pra mim para que eu te abrigue
te fechas e cultivas a tua solidão
me obrigando a enfrentar a minha, a suave prisão

mas quando vens, tomas o tempo em tuas mãos
e me ofereces tudo
e segurando o líquido do tempo em nossas mãos
vamos derramando as horas lentamente
e com gozo
em todas as coisas que amamos
imagens, palavras, cheiros e toques
trejeitos, desajeitos, gafes e tombos

até a carruagem virar abóbora

porta emperrada

finalmente
compreendo como tu te emperras

mas foi preciso experimentar o sangue
o corte, o bisturi e o enxame
me rebelei de dentro do avesso da colméia

do pó e das cinzas
não renasço hoje

passeio pelo inferno de hades

um rapto, um surto, um susto
um medo, ou ainda,
aquela sensação de quem está sem saída

Tuesday, April 03, 2007

CÍRCULO MILITAR

códigos, símbolos
letras e números
pétalas de flores caindo
estrelas piscando no escuro
no chão a passos lentos
a brisa alimenta os pulmões
com vida

Ombros nus
mechas de cabelo encaracolando
afogam a liberdade que circula e ferve o sangue.
Calor...

O dia acaba e refresca os sentidos obrigatórios,
as placas, os sinais,
os pontos de ônibus iluminados.
Nenhuma estrada ou rua sem saída.
Os cruzamentos, as rotatórias da cidade.
Tudo é preferencial.

Os olhos buscam sedentos -
porém sem expectativas -
aquilo que a alma encontra e a palavra traduz.

Uma cidade de luz
em plena escuridão.
A lua não sou eu.
As rédeas se soltaram.
As imagens se perpetuam na minha solidão.

O foco do meu olhar
celebra tudo o que não posso tocar
e nem quero.

Tudo que toquei
me tocou.

Tudo que possuí
me possuiu.

Pedaços de mim caminham pela rua agora.
Dentro de carros a música com as mãos no volante
descrevem um caminho distante... num instante.

Os meus olhos são fotos focadas,
tiradas e colocadas pra dentro.

Sinto meus órgãos quentes interiormente.
Tudo de mim se escapa:
eu, a leveza do fim do dia,
eu cônscia de uma beleza tardia.

Tudo que eu faria, não fiz, não feriria.
As marcas do fogo não se apagam
cicatriz.
Eu fui, eu sou, eu sendo feliz.
Do que era mudo uma canção rediz...