Monday, April 16, 2007

Inconfessável

Recuso-me a fechar as janelas,
hoje que o céu se enfureceu comigo
e fez mil tempestades num só copo d'água
gotejando até mesmo dentro, em meu abrigo

tu que me lês
eu analfabeta de mim
recuso-me a olhar no espelho
pois sempre o que reflito é o que não vejo
sou cega pra mim mesma
apenas me despejo
recuso-me a me ouvir lá de fora de mim mesma

essa janela aberta nessa noite que esfria
paradoxos indecifráveis que me abafaram no verão
eu me tranquei e pensei "perdi a chave"
mas descobri o furto do hóspede indiscreto
fingia rastejar e ser anfíbio
mas tinha o sangue quente desde o início

vinhas sempre transmutado em outros
como um camaleão, de cor em cor
mas para mim - que sou incapaz de ler o externo -
era sempre o mesmo e sempre igual que eu encontrava
brincavas de jogos de espelho, mas eu intuía o óbvio
aquele teu veneno verde não poderia ser para mim

não eras o sapinho pela boca
um príncipe indeciso e arrependido
quantos segredos transmitidos pelas tuas águas
bebi uma a uma, mas o que eu queria era o teu sangue

o sangue que eu encontrei por acaso
borbulhando numa temperatura à minha equivalente

eu - que nunca quis te seduzir -
queria apenas me encarar no espelho, seduzida
como nas primeiras vezes em que eu realmente acreditei
pois não tinha aprendido a duvidar do meu termômetro
a tua febre louca que eu curei

ao invés de nos olharmos: reflexo e reflexão
resolvemos tomar da mesma taça a anestesia
e quem diria aquilo que querias
encontrar em outros objetos uma capenga paixão
e do mesmo chão em que deitamos
derramamos as mentirosas faces de uma confissão

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